A Pequena Vendedora de Fósforos - PARTE I

01-11-2020 16:51

Por Hans Christian Andersen

Fazia um frio terrível; caía a neve e estava quase escuro; a noite descia: a última noite do ano. Em meio ao frio e à escuridão uma pobre menininha de pés no chão e cabeça descoberta caminhava pelas ruas. Quando saiu de casa trazia chinelos; mas de nada adiantavam, eram chinelos tão grandes para seus pequenos pezinhos, eram os antigos chinelos de sua mãe.
A menininha os perdera quando escorregara na estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa, sacolejando. 
Um dos chinelos não mais foi encontrado e um menino se apoderara do outro e fugira correndo. Depois disso, a menininha caminhou de pés nus - já vermelhos e roxos de frio. Dentro de um velho avental carregava alguns fósforos e um feicho deles na mão. Ninguém lhe comprara nenhum naquele dia, e ela não ganhara sequer um níquel. Tremendo de frio e fome, lá ia quase de rastos a pobre menina, verdadeira imagem da miséria! 
Os flocos de neve lhe cobriam os longos cabelos que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos; mas agora ela não pensava nisso. 

Luzes brilhavam em todas as janelas e enchia o ar com um delicioso cheiro de ganso assado, pois era véspera de Ano Novo. 
Sim, nisso ela pensava! 
Numa esquina formada por duas casas, uma das quais avançava mais que a outra, a menininha ficou sentada; levantara os pés, mas sentia um frio ainda maior. Não ousava voltar para casa sem vender sequer um fósforo e, portanto sem levar um único tostão. O pai naturalmente a espancaria e, além disso, em casa fazia frio, pois nada tinham como abrigo, exceto um telhado onde o vento assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha e trapos. 

Suas mãozinhas estavam duras de frio. 
Ah! Bem que um fósforo lhe faria bem, se ela pudesse tirar só um do embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua luz! 
Tirou um: trec! O fósforo lançou faíscas, acendeu-se. 
Era uma cálida chama luminosa; parecia uma vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha... 
Que luz maravilhosa! 
Com aquela chama acesa a menininha imaginava que estava sentada diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de cobre, assim como a coifa. 
Como o fogo ardia! Como era confortável! 
Mas a pequenina chama se apagou, o fogão desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo queimado. 
Riscou um segundo fósforo. 

Ele ardeu, e quando a sua luz caiu em cheio na parede ela se tornou transparente como um véu de gaze, e a menininha pôde enxergar a sala do outro lado. Na mesa se estendia uma toalha branca como a neve e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar. O ganso assado fumegava maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda mais maravilhoso era ver o ganso saltar da travessa e sair bamboleando em sua direção, com a faca e o garfo espetados no peito! 

Então o fósforo se apagou, deixando à sua frente apenas a parede áspera, úmida e fria. 
Acendeu outro fósforo, e se viu sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Era maior e mais enfeitada do que a árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico negociante. Milhares de velas ardiam nos verdes ramos, e cartões coloridos, iguais aos que se vêem nas papelarias, estavam voltados para ela. A menininha espichou a mão para os cartões, mas nisso o fósforo apagou-se. As luzes do Natal subiam mais altas. Ela as via como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo rastilho de fogo. 
Alguém está morrendo, pensou a menininha, pois sua vovozinha, a única pessoa que amara e que agora estava morta, lhe dissera que quando uma estrela cala, uma alma subia para Deus.